Caminho da Amazônia para a ruína: rodovia ameaça o coração da floresta tropical
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Caminho da Amazônia para a ruína: rodovia ameaça o coração da floresta tropical

May 24, 2023

Esforços para impedir a modernização da BR-319 estão vacilando em meio à pressão de governadores e senadores de direita

Quando uma nova estrada atravessa a floresta amazônica, ela cria o que é conhecido como efeito espinha de peixe. Primeiro vem a lombada, que é uma rodovia aberta por escavadeiras, asfaltadores e pavimentadoras. Logo depois siga as costelas, as estradas secundárias de cada lado que são esculpidas – muitas vezes ilegalmente – por grileiros, madeireiros, garimpeiros e fazendeiros. De um satélite ou avião, o resultado final se assemelha ao esqueleto de um arenque com toda a vegetação ao redor constantemente cortada por motosserras e fogo.

Desde a abertura da rodovia Transamazônica em 1972, tais espinhas de peixe têm aparecido na maior floresta tropical do mundo com efeito devastador. Noventa e cinco por cento de todo o desmatamento na Amazônia ocorre a 5,5 km (3,4 milhas) de uma estrada.

Até agora, a vasta extensão de floresta entre Porto Velho, capital do estado de Rondônia, e Manaus, capital do Amazonas, escapou do pior dessa destruição. Há uma rota entre eles, a BR-319, mas a seção intermediária da estrada esburacada de 545 milhas é muito frágil para criar uma espinha adequada para uma espinha de peixe. Durante seis meses do ano, a velha estrada fica intransitável, virando lama no inverno e poeira no verão. As estradas secundárias também são dissuadidas por zonas tampão de parques nacionais, áreas de conservação e territórios indígenas.

No entanto, essa área no coração da floresta está ameaçada pelos planos de modernização da BR-319, depois que o asfaltamento do trecho médio da estrada foi aprovado no ano passado pelo governo do então presidente de extrema-direita, Jair Bolsonaro. Uma equipe de jornalistas da Amazônia Real e do Expresso viajou para o projeto Bruno e Dom, uma colaboração de um ano de 16 organizações de mídia coordenada pela Forbidden Stories para continuar a reportagem da Amazon do colaborador do Guardian, Dom Phillips. Isto é o que eles encontraram.

A partir de Porto Velho, os primeiros 120 quilômetros da BR-319 são pavimentados e mantidos. A paisagem se arrasta por dezenas de quilômetros em uma monotonia de desmatamento – pastagens esparsas, plantações de soja e arrozais.

Aproximando-se da comunidade de Humaitá, um outdoor de beira de estrada exibe um retrato gigante de Bolsonaro sob uma faixa declarando: “Nós somos Bolsonaro, acreditamos em Deus e valorizamos a família”. A estrada não trouxe grandes melhorias no desenvolvimento social ou econômico. O PIB per capita de Humaitá é um quarto do de São Paulo e esta cidade está no terço inferior dos municípios brasileiros em um índice de desenvolvimento social.

A próxima cidade, Realidade, é onde o asfalto acaba e as obras de melhoria começariam. A cidade não tem calçadas ou eletricidade estável. Durante as tempestades, o esgoto transborda para os trilhos. Mas os colonos têm grandes esperanças.

"Se tiver estrada vai ajudar muito. Vou poder ir de carro quando quiser, a cidade vai ficar bem melhor, vai ter saneamento básico melhor", diz André Bispo, 29, que se mudou para o Realidade há três meses com a esposa, Gisele Cristina, 21, e a filha de um ano, Ive Cristina. O casal abriu uma lanchonete de beira de estrada e sonha em abrir um rancho. Bispo diz que o dinheiro ganho com a venda de dois hectares de terra em sua antiga cidade natal, Presidente Médici, é suficiente para comprar 90 hectares em Realidade. Ainda não pode comprar cerca nem gado, mas já adotou o estilo caubói – chapéu de abas largas, botas de couro e cinto de fivela grande.

Esses sonhos inspiraram as pessoas a invadir ilegalmente a floresta desde que a ditadura militar abriu a BR-319 na década de 1970 como parte de um plano para colonizar a Amazônia e integrá-la mais intimamente com o resto do Brasil.

Motivos mais sinistros movem muitos colonos recentes, como fica cada vez mais claro à medida que a estrada se aproxima do município de Tapauá. “Já vemos o crime organizado se instalando nessas áreas”, diz Lucas Ferrante, cientista da Universidade Federal do Amazonas. Várias áreas protegidas foram estabelecidas na área como um "cinturão verde" para evitar o assentamento e o desmatamento, mas a fiscalização é inadequada, então grileiros e organizações criminosas estão entrando, abrindo mais estradas e desmatando a floresta.